Belém, segunda feira, 2 de junho de 2014
Sobre minha experiência de hoje.
Sai do hotel e estava em meio ao caos. Caos.
Sujeira, lixo no chão, barulho, cheiro, de carne, de podre, de gente...
Pobreza... Ladrão roubando ladrão drogado... Chip da oi, compro ouro, rolex...
Vedo fruta, corto cabelo... Vem pra igreja... Gente dormindo no chão... Cuspe no chão.
Desviando de um e de outro cheguei às Docas, Amém.
O Rio estava revolto... Rio enorme, sem fim. O dia, segunda-feira, nublada e úmida e quente. Nas margens finalmente o Vazio. Só se ouvia o barulho das águas revoltas batendo nas paredes de concreto do porto. A barragem das docas pareciam resistir bravamente à toda força do rio , que se por vontade própria não margeava ali. Por isso, as ondas vinham, se chocavam com a barragem e voltavam ... hora por reflexo e hora por contrariedade e raiva dos limites.
Água marrom, dia cinza .
Gostos diferentes, cheiros diferentes... Eu gosto disso, gosto muito do que me é diverso, do que ultrapassa meu universo. Era tacacá, tucupi, munguzá, vatapá, maniçoba, açaí, tapioca, cupuaçu... A culinária nortista me encanta.
Depois, claro, um sorvete. Quanta diversidade.
Fiquei olhando aquela variedade de sabores como se fosse uma criança. Queria uma coisa dalí... Um sabor regional, não sabia por onde começava, até porque, não conhecia nem metade dos sabores disponíveis. Resolvi ir por cor: Vou de amarelo! O sorveteiro me sugeriu que desse uma olhada do outro lado do balcão, pois tinha mais sabores regionais. Por um instante fiquei meio perdida...Pois bem, amarelo e regional... Unidunitê... Sorvete escolhido. Este daqui! Provei e gostei. Ele me serviu uma bola. Acho que era fruta, mas o nome eu já não lembro. Quando virava para ir embora ele me disse com um tom bem curioso:
-Por que amarelo é?
-Oi?
- Por que amarelo, é?
-Por que amarelo?
-É!
E eu surpreendida pela pergunta consegui apenas balbuciar: - porque gosto da cor... - Ele certamente me achou estranha por escolher o sorvete pela cor e não pelo sabor. (É como se escolhesse um esmalte pelo nome ,ou um livro pelo número de páginas).
Ele sorriu e eu sorri de volta. Mas essa pergunta sem pé nem cabeça ficou se repetindo, repetindo ecoando no meu pensamento.
"Por que amarelo, é?"
Por que?
Amarelo, é?
Amar elo, é?
Por que amar elo, é?
Por que amar? Lo é?
Por que amar ele, é?
Pronto. Tomei aquele sorvete amarelo incrível sentada sozinha, apreciando a raiva do rio, o momento. Ali era um pedaço do céu em meio ao caos, em meio ao inferno. Eu, meu sorvete gostoso e amarelo, o dia quente, cinza e úmido, o rio e meus pensamentos. Foram instantes.
Retornei passando pelo caos e teria que me arrumar logo para trabalhar.
Foi um momento único de epifania, e o melhor de tudo é que eu sabia disso. Hoje, terça feira , Brasília , nublada e ainda consigo sentir o gosto, a sensação, cheiro, e principalmente a pergunta :" por que amarelo/por quê amar ele?".
Não me cobro resposta alguma, mas por enquanto fico com o amarelo.
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